Somada à Medida Provisória 458, transformada na Lei 11.052 com um único veto de Lula, a intenção de anistia deixa antever o que é a política fundiária e ambiental do governo. Aos poucos, vão sendo removidas as dificuldades que o agronegócio encontra para expandir as fronteiras agrícolas na direção da Amazônia Legal – que hoje concentra os problemas fundiários e ambientais do país. A regularização da propriedade que antecede a efetiva chegada do agronegócio a essa região, no entanto, acontece num ambiente de alta complexidade social, de grande conflito e de total ausência do poder público. Essa tem sido a lógica da ocupação de territórios no país que não foi interrompida pelo governo Lula.
A reportagem de Mauro Zanatta publicada na edição de ontem do Valor (”Devastação e abandono prosperam na BR-319“, pág. A12), sobre a reconstrução da rodovia Porto Velho-Manaus, é a descrição do ponto zero de uma ocupação de área de floresta: a construção de uma rodovia, o protagonismo de madeireiras que “limpam” a área inicialmente para a pecuária, extraindo ilegalmente a madeira da floresta, a grilagem e o garimpo irregular e levas de migrantes, em uma área onde o poder público é ausente. É esse o movimento que empurra a fronteira agrícola para um lugar mais distante, às custas de crimes fundiários e ambientais que serão anistiados por algum governo no futuro.
Nesses locais, o afrouxamento das leis de controle ambiental produzem efeitos mais nefastos. Além disso, os mecanismos de proteção ambiental que sobrevivem no Código Florestal tornam-se naturalmente inócuos quando o poder público se ausenta das fronteiras agrícolas e quando se acumulam problemas fundiários. O pouco Estado que sobrevive nessas regiões não consegue conter a corrida à terra.
A reportagem do Valor relata, por exemplo, as dificuldades que o próprio Batalhão de Infantaria da Selva na região, o 54º, enfrenta para manter a salvo dos madeireiros uma área de 45 mil hectares de florestas da União. O escritório regional do Ibama sequer consegue controlar a atividade extrativista ilegal da floresta.
Desse processo de colonização selvagem resultam as propriedades de terra. São elas as beneficiadas se Lula, de fato, conceder a anistia. Segundo a “Folha de S. Paulo”, estão na mesa três propostas: o Ministério do Meio Ambiente defende a anistia apenas a pequenos proprietários; o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, quer estendê-la à média propriedade; e a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), pretende beneficiar a todos – grandes, médios e pequenos.
Segundo a proposta de Abreu, seriam anistiados todos aqueles proprietários que se dispuserem a recuperar a vegetação às margens dos rios e se comprometerem a não desmatar mais. Bastaria isso. Os que não desmataram o que era autorizado por lei (que varia entre 20% e 80%) seriam remunerados pelo governo.
O Executivo tem tratado a regularização de propriedades na Amazônia Legal como uma pré-condição para a eficiência de uma política de meio ambiente. Segundo o secretário-adjunto de Regularização Fundiária da Amazônia Legal do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Carlos Guedes, os que ocupam ilegalmente terras na região terão que vir à luz do dia para regularizar suas propriedades, e aí se iniciará o processo de adequação à legislação ambiental (”BBC Brasil” de 19/06).
O problema nesse raciocínio é que à ausência do poder público nessas regiões deve somar-se o efeito antipedagógico de um perdão por crimes ambientais.
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