quarta-feira, 27 de julho de 2011

O mapa da mente militar

Este texto é uma entrevista com um militar especialista em política estratégica. Das mais absurdas idéias de ocupação da Amazônia estão explícitas pelas falas de Dorival Ari Bogoni.




Como poucos brasileiros, Dorival Ari Bogoni tem histórias para contar. "São mais de 20 mudanças por todo o País", conta. A primeira mudança foi de Antônio Prado, na região da Serra Gaúcha, onde nasceu em 1948, para Medianeira, no oeste do Paraná. Ele se tornou um viajante pelo Brasil graças à vocação militar. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), atuou na implantação de rodovias e obras de estrutura viária em todas as regiões do território nacional. Cursou a Escola Superior de Guerra e é bacharel em Administração, além de ter feito mestrado e doutorado na área militar e um MBA nos Estados Unidos. Tornou-se também professor e membro-diretor do Instituto Político-Estratégico Brasileiro.

Das andanças pelo País, destacou-se uma paixão: a Amazônia, onde atuou em frentes no Acre e em Rondônia. Tudo isso virou material para vários artigos, que agora se transformaram no livro “Brasil XXI — Posse e Conquista”, obra em que traça desafios para a integração do Brasil. Para ele, ainda não chegou a vez do Brasil se transformar em uma grande potência do mundo — ele vislumbra a China como a nova superpotência, com a queda dos Estados Unidos.  “Nossa vez ainda não chegou, não estamos maduros. Não temos estadistas. O Brasil está chegando à maioridade agora”, diz Bogoni, que, no entanto, acredita que estamos cada vez mais perto de deixar de ser “o país do futuro”.

Sobre a Amazônia, Bogoni é taxativo: a prioridade deve ser do Brasil, não dos estrangeiros. Nem do índio, “que também é brasileiro”. Em entrevista ao Jornal Opção, ele elogia Golbery do Couto e Silva e diz que os interesses ideológicos da esquerda estão se sobreponto aos interesses nacionais.
Elder Dias — O Brasil é um dos países com maior extensão de fronteira no mundo e com mais vizinhos.  Como o sr. vê hoje a política brasileira para esse setor?

Esse é um dos tópicos que toco bastante no livro. Na geopolítica, consideramos o Estado como um organismo vivo. Ele cresce, se amplia e, ocasionalmente, se transforma e até desaparece. Nessa concepção, as fronteiras são os órgãos, a pele e os sentidos do Estado. Se não forem bem protegidas, há sempre a possibilidade de infiltração de elementos estranhos e prejudiciais. No Brasil, nosso grande programa de segurança é a vulnerabilidade das fronteiras, que estão desprotegidas, desabitadas e muito porosas.
Cezar Santos — A que se deve isso? É falta de estratégia dos sucessivos governos brasileiros?

Podemos avaliar por vários ângulos. Inicialmente, a própria extensão dificulta um controle maior. O segundo problema é que grandes áreas, principalmente no Norte, são desabitadas e com grandes obstáculos naturais, especialmente a selva amazônica. Então, os pontos de maior infiltração no País são as calhas dos rios. Nesses rios, até bem pouco tempo, as Forças Armadas, o Exército, não dispunham de poder de polícia para atuar porque as fronteiras, de um modo geral, são de responsabilidade maior da Polícia Federal, em relação ao tráfico de drogas e de armas, ao contrabando, assim por diante. Considerando que a Amazônia é muito extensa, o governo e o Congresso deram esse poder também às Forças Armadas para atuar em complemento com o Ibama e a Polícia Federal. É um problema, mas não seria o caso de isolar e fechar fronteiras. Nos Estados Unidos, na fronteira com o México, com todos os recursos tecnológicos que eles têm, estão fazendo uma barreira física e, mesmo assim, constantemente têm tido problema para vigiar as fronteiras. Imagine no Brasil, que são 15 mil quilômetros de fronteira terrestre.
Elder Dias — Podemos dizer então que o problema do Brasil, em termos de fronteiras, é mais grave que o americano?

É e não é. É mais grave porque nossas fronteiras são mais vulneráveis. Mas, como os EUA são um império, centro de poder e riqueza, a tendência é de que as populações de outras partes do mundo se dirijam para lá em busca de oportunidades. Nossas fronteiras são vulneráveis para os crimes transnacionais e para delitos prejudiciais à Nação, como o crime organizado em suas diversas formas –– tráfico em geral, de drogas, de armas e até de pessoas. Isso sem falar no contrabando nas áreas de fronteira mais desenvolvidas, especialmente ao Sul, na região de Foz de Iguaçu.
Cezar Santos — O sr. acredita que haja presença de células terroristas nas regiões fronteiriças do País?
Não se pode afirmar com convicção, porque nem o próprio governo federal assume essa possibilidade, mas não podemos descartar isso.


Não se pode afirmar com convicção, porque nem o próprio governo federal assume essa possibilidade, mas não podemos descartar isso. 
Everaldo Leite — Mas ficou provado que as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) têm feito manobras dentro do território nacional. E as Farc são um grupo terrorista.

Exatamente, mas estamos sob um governo que é um pouco tendencioso em termos de ideologia à esquerda e que reluta em dar esse carimbo de grupo terrorista às Farc. Mas, em meu livro, relatei que houve operações militares em que as Farc atuaram contra as Forças Armadas brasileiras. O Brasil reagiu e houve confronto militar. Como resultado, perceberam que o custo-benefício [para as Farc] não valia a pena. Mas realmente as Farc têm essa característica de organização terrorista.
Everaldo Leite — As Farc não estão mais hoje só em território colombiano. Parece que há uma flexibilidade da Venezuela em levar o grupo para seu território. E o território brasileiro, desprotegido como é, está, de certa maneira, aberto a essa entrada também, não?

Já que falamos em Farc, vamos voltar um pouco na nossa história recente. O Brasil e outros países da América do Sul, nas décadas de 1960, 1970 e até a de 1980, viveram esse mesmo quadro que a Colômbia vive hoje. Os países que combateram a esquerda com maior intensidade conseguiram debelar esses movimentos e tiveram a felicidade de estar hoje com uma situação muito mais tranquila. Quem não superou esses desafios convive com isso até hoje e o caso mais característico é o das Farc, originadas da década de 1970, dos movimentos de esquerda, e que prossegue com sua política até hoje. A diferença é apenas que o movimento degenerou: não é mais tão ideológico e, sim, mais econômico, buscando o poder pela via direta, inclusive pelas armas e pelo tráfico de drogas e armas.
Cezar Santos — O sr. faz um cálculo sobre o prejuízo econômico-financeiro para o País causado pela fragilidade de nossas fronteiras?

Esse levantamento econômico existe, mas creio que o Brasil tem problemas [de soberania] mais graves, mais acentuados. Uma delas é a situação do nióbio. O Brasil está tendo um crime de lesa-pátria da maior gravidade, porque temos mais de 90% do nióbio do mundo, ou seja, somos praticamente o único produtor. É um material de certa raridade, com preços altíssimos no mercado, mas o Brasil, pelos registros de exportação, ele é responsável por menos da metade do consumo mundial e a preços muito mais baixos do que pagam à própria fonte de exploração original do minério. Nesse tema, então, em termos econômicos, o Brasil perde muito com o contrabando.
Cezar Santos — O sr. teria uma estimativa sobre esse prejuízo?

Só com o nióbio, confirmadas essas informações, seriam mais de US$ 10 bilhões de perdas anuais que o Brasil sofre.
Cezar Santos — Uma fortuna!

Elder Dias — A que o sr. atribui a falta de reação, a inoperância do governo brasileiro diante dessa evasão gigantesca de recursos?

Um dos grandes problemas é a corrupção em todos os níveis de governo. O exemplo vem de cima. Tivemos uma série de escândalos da maior gravidade no Congresso, no governo federal, no Legislativo, no Executivo e no próprio Judiciário, cujos dados não foram devidamente apurados e cujos resultados estamos aguardando até hoje. Esse estado de coisas se reflete nos demais escalões do governo. Em todos os Estados vemos uma série de escândalos, nos quais os políticos querem atender a seus interesses e não aos interesses nacionais.
Cezar Santos — Cria-se um caldo de corrupção.

Isso. Esse caldo de corrupção se entranha no Estado e quem perde é a sociedade e a Nação. Infelizmente, estamos em um quadro tal que teremos de dar uma solução a isso, para chegar a melhores dias.
Elder Dias — O sr. faz um histórico detalhado da ocupação do Brasil. Como o sr. analisa esse processo?

O Brasil é uma consequência, não é um acaso. Nada acontece por acaso. O Brasil foi descoberto dentro do ciclo das grandes navegações, na divisão do mundo entre Portugal e Espanha. Todos os grandes centros de poder tiveram seu auge simultaneamente a um avanço significativo em ciência e tecnologia , em conhecimentos, descobertas, conquistas pelas quais se sobrepuseram aos demais países e comunidades em determinada conjuntura. Portugal é resultado desse tipo de situação. Na época das descobertas, com o fechamento da rota comercial pelo Mar Mediterrâneo, não havia circulação de riquezas por lá. Como os portugueses detinham, naquele momento, a melhor tecnologia naval, os melhores navios, eles conseguiram superar os desafios e chegar a um império que se estendeu por meio mundo. Isso com 1,2 milhão de habitantes, o que é hoje a população de Goiânia. E então no contexto vem o Brasil, que não era a prioridade de Portugal, que voltava os olhos para o caminho das Índias. No Brasil, Portugal chegou com poucas centenas de pessoas. Como não tinha recursos humanos suficientes, adotou o aproveitamento de alianças com as comunidades locais, os indígenas da época, e a miscigenação. Isso para realizar a grande obra da conquista do território nacional, com as entradas e as bandeiras.
Elder Dias — Nessa disputa particular entre Portugal e Espanha, como se deu a conquista da área amazônica?

A expedição de Bento Teixeira, que subiu de Belém até Quito, no Peru [a atual capital do Equador pertencia ao Vice-Reinado do Peru, durante a colonização espanhola], com 50 barcos, foi providencial. Na época da junção da Coroa Ibérica entre Portugal e Espanha, de 1580 a 1640, ele espertamente dizia que [a área conquistada] era para Portugal. Ao fim da missão, voltando a Belém, registrou a conquista de toda a Bacia Amazônica para Portugal. E os espanhóis acharam tudo normal, mesmo porque na época tudo era Portugal e Espanha. Assim que houve a divisão, esse registro permitiu que praticamente toda a área amazônica ficasse com a Coroa portuguesa. Já o Acre é uma questão à parte, já que só posteriormente, em 1905, virou parte do Brasil, pelo Tratado de Petrópolis.
Elder Dias — Hoje essa Amazônia, para o Brasil, é mais problema ou solução?

Se você me permite vou usar uma terceira palavra: a Amazônia não é nem problema nem solução, ela é um desafio. É um cofre, um depósito inesgotável de toda natureza –– mineral, vegetal, animal. E o homem tem como suas motivações essenciais o sexo, a riqueza, a glória e o poder, esse o ponto máximo a que toda pessoa quer chegar. Aliás, não só as pessoas, mas as sociedades também. Todo Estado sonha se tornar um império. Assim, a Amazônia nada mais é do que esse depósito de riquezas do qual qualquer pessoa, qualquer Estado, quer se apoderar para explorar da melhor maneira possível, para seu próprio bem. Eu não tenho dúvida –– e nenhum brasileiro deve ter –– de que os países desenvolvidos têm muito mais informações e dados [sobre a Amazônia] do que nós possuímos. Isso porque, além de disporem de tecnologia orbital e outros recursos, eles têm os famosos indigenistas a seu serviço.
Cezar Santos — Então o sr. acredita mesmo que essas ONGs esparramadas por lá estão a serviço de outros países?

Estão defendendo interesses de alguém. E esses interesses, com certeza, não são os nossos.
“Interesse maior é da Nação, não do índio”
Everaldo Leite — Pessoas do mundo acadêmico da região amazônica já falam tranquilamente que ela já é internacionalizada, porque ali atuam laboratórios farmacêuticos, geólogos, ecólogos e ONGs de outros países. Uma solução teria de sair do Ministério da Integração, especialmente da Sudam [Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia]. O que poderia ser apresentado para desenvolver a região?

A primeira questão a ser pensada é sobre as reservas e povos indígenas. Raposa do Sol [extensa reserva indígena em Roraima] foi um crime. Como já comentei, somos resultado de uma miscigenação, em todas as regiões do País. Teríamos de buscar miscigenação e não dissociação na parte do círculo social. Um segundo ponto é que a Amazônia é um continente. Lá cabem a Índia e o Paquistão juntos ou toda a Europa. Dentro desse "continente", não temos infraestrutura suficiente para projetos econômicos que deem continuidade ao desenvolvimento. A iniciativa privada vive do lucro e não vai investir na Amazônia se não tiver retorno. É inviável a qualquer um lançar-se em uma área assim, desprotegida e sem escoamento de produção. Então, o Estado deve ter um papel principal no início da ocupação da área, com uma infraestrutura mínima - estradas, portos, aeroportos, saúde, segurança, energia etc. - que permita à iniciativa privada chegar em condições de atuar e ter retorno. Ou seja, primeiro temos de ocupar a Amazônia.
Elder Dias — Isso passa necessariamente pela questão energética...

Sim, claro. Sobre essa questão do aproveitamento hidrelétrico do potencial amazônico, temos como exemplo o Oeste do Paraná que, na década de 1960, era o que é a Amazônia hoje. Uma área abandonada, isolada do mundo. A usina de Itaipu transformou aquela região em um celeiro de produção agrícola. Toda a economia do mundo, hoje, depende de energia e a Amazônia é carente nesse setor. Os principais pontos - Manaus, Porto Velho, Rio Branco - ainda têm energia obtida por petróleo. As hidrelétricas que estão sendo agora construídas, como Belo Monte, vão possibilitar alternativas para que outras iniciativas decorrentes do agronegócio e do setor mineral, por exemplo, passem a acontecer. Assim seria possível estimular o fluxo migratório para lá. Outro fator é que o Brasil está se interiorizando. De 2000 a 2010, o crescimento da população do Centro-Oeste foi de 20%; o da Amazônia, 22%. É bastante? Em números absolutos, é. Em números relativos, não, porque toda a população da Amazônia equivale à população da Grande São Paulo. São Paulo e Rio têm 15 milhões de habitantes juntas, toda a população de metade do País, que é a Região Norte, onde há apenas três habitantes por quilômetros quadrado. Outra coisa é que essa população fica no curso dos rios, porque não tem como se movimentar. À medida que chega o progresso, a comunicação etc., essas pessoas despertam para novas necessidades que, se não forem atendidas, levam-nas a sair da região. É essencial que o Estado dê oportunidade a essas pessoas de se estabelecer por lá para que, assim, possamos ocupar melhor a Amazônia.
Cezar Santos — O Sivam [Sistema de Vigilância da Amazônia], quando foi lançado, virou celeuma. Mas o Sivam é bom, está funcionando?

É um outro exemplo de uso da ciência em benefício do Estado e da Nação. O Sipam/Sivam, como projeto, é excelente. Mas como tudo no Brasil, é um projeto brilhante que na execução fica a dever. O Sivam diz respeito à vigilância, mas o maior é o Sipam [Sistema de Proteção da Amazônia], que contém o sistema todo de proteção da Amazônia. É um instrumento que funciona. Hoje, o tipo de tráfico de drogas é reflexo do Sipam/Sivam, porque houve uma repressão significativa do crime por via aérea e temos um grande fluxo de drogas circulando nos portos e aeroportos por outros canais. Por sua amplitude, também é válido por nos aproximarmos dos países vizinhos, que fazem parte da Bacia Amazônica.

Elder Dias — Como fica o discurso mundial de que a Amazônia precisa ser protegida porque é o "pulmão do mundo"? Existe para o sr. a possibilidade de uma espécie de ocupação preservacionista da região?

Nesse mundo desenvolvido em que estamos, vivemos realidades completamente diferentes. Vivemos hoje uma guerra de quarta geração. Tivemos a primeira, a segunda, a terceira, dependendo da evolução bélica. Hoje, é a era da guerra das mentes. Os países desenvolvidos se aproveitam da concepção de novos valores para que esses tragam certa orientação social. Assim, dosam seus interesses para que eles sejam assimilados pelas populações dos países onde querem atuar, de maneira que não causem choques. Douram as pílulas de forma que sejam bem assimiladas e atendam seus desejos. Os principais interesses estão aí: ecologia, meio ambiente, aquecimento global, preservação, reservas indígenas, direitos humanos... São todos valores nobres, válidos. Só que valem para nós, para eles não. Tive a oportunidade de viver nos Estados Unidos. Lá, no extremo norte, no Estado de Washington, fizemos um exercício militar onde havia reservas indígenas. Essas reservas são locais sagrados, poucos quilômetros quadrados que eles deixaram para o restante da população que ficou, depois de a maioria ter sido dizimada, abatida como animais. Essas são as reservas que eles possuem. Por que eles agora exigem que o Brasil tenha reservas indígenas para poucos milhares de pessoas que equivalem ao tamanho de Estados médios brasileiros? Temos de atender às necessidades do índio? Temos. Temos de ser ecologicamente corretos? Temos. Mas não pode ser uma preservação tendo a selva como ambiente sagrado e o índio como intocável. Os interesses maiores são da Nação, não são do índio. Até porque, antes de tudo, o índio é brasileiro. Então, temos de ter dosagens e critérios que atendam sempre o interesse comum. E o interesse comum é o interesse nacional.
Everaldo Leite — O que temos de conhecimento sobre a Amazônia para argumentar com esses países sobre o que temos de fazer e o que podemos fazer aqui?

É outra questão interessante. Na globalização, que é fato sem volta, o Brasil tem de atuar com uma política que atenda seus interesses. O mesmo raciocínio é válido para a Amazônia.  Temos a maior biodiversidade do globo. Mas não temos recursos suficientes para atuar na área de pesquisa, não temos recursos humanos, massa crítica de conhecimento que nos permita tirar o melhor que temos da Amazônia. Então defendo, sem grandes traumas nem psicose de estrangeirismo, que devemos somar com os países que detêm essas tecnologias. Mas nós temos de conduzir esse processo. Temos de pesquisar as linhas de ação de correspondentes, temos de buscar o que é bom para humanidade, mas desde que isso traga benefícios para o Brasil e não só para esses outros países interessados. Meu livro mostra pontos de vista de vários cientistas que reclamam que no Brasil as pessoas bem intencionadas encontram muita burocracia para trabalhar. E há outras universidades atuando que não contam com recursos nem material humano. E elas sentem necessidade de colaboração internacional. Mas o fato é que o Brasil não sabe conduzir o processo até o final para tirar o benefício dessas pesquisas e trabalhos. Temos de abrir, explorar o que temos, não só para nós, mas para a humanidade, desde que não seja prejudicial para os interesses nacionais.
Cezar Santos — Qual sua avaliação da política externa do governo brasileiro?

Costumo dizer que não sou politicamente correto. Os últimos governos não conduziram bem a política externa. Os erros mais graves foram a contaminação ideológica, o populismo e o personalismo, que fizeram a política externa brasileira fugir da sua direção tradicional.  Exemplos: a revisão do acordo com o Paraguai na energia de Itaipu e a atitude pusilânime e não soberana do Brasil com a Bolívia por ocasião da invasão das refinarias da Petrobras. Evidentemente que não podemos analisar pelo lado de lá, dos outros países; temos de olhar os interesses do nosso País, dentro do princípio do direito internacional e dos tratados assinados. Os tratados eram perfeitos, estabelecidos dentro da legalidade. Os países vizinhos é que feriram os preceitos legais dos tratados e não tiveram a devida resposta do governo brasileiro.
Elder Dias — O Brasil já teve exemplos de boa condução de seus interesses?

Se formos para os resultados práticos, independentemente de ideologias de governo, eu citaria como exemplo de soberania nacional o governo Geisel, quando ele rompeu o acordo com os Estados Unidos sobre colaboração na área militar e quando impôs à Argentina a construção de Itaipu. Cito isso no livro, o momento em que o Brasil voltou sua atenção do Cone Sul para a Amazônia, aí houve um acerto amigável com a Argentina. Havia um atrito com a construção de Itaipu, que Buenos Aires via como uma ameaça do ponto de vista de segurança em termos geográficos. O governo brasileiro soube se impor para defender nossos interesses. Não víamos os problemas que poderiam ocorrer, víamos as soluções dos nossos problemas, já que o Brasil precisava de energia. Construímos Itaipu, que hoje é uma realidade. Outro exemplo foi o acordo Brasil-Alemanha na área nuclear. Na crise de energia precisávamos buscar alternativas e os acordos foram assinados, apesar das pressões internacionais. E  o Brasil avançou. Não que o Brasil necessite construir armas nucleares, não é o caso, mas não podemos nos sujeitar a um tratado (de não proliferação de armas nucleares) cujos membros que o assinaram não o cumprem, e os países que não o assinaram têm de cumprir as regras de quem possui essas armas. Eu defendo que o Brasil se torne descompromissado de assumir um tratado que outros países que o assinaram não cumprem.

Cezar Santos — Há um personagem hoje meio desconhecido e talvez falte mesmo uma boa biografia dele, que é o general Golbery do Couto e Silva [1911-1987, ocupou funções importantes nos governos militares]. O papel dele na história do Brasil foi positivo?

Golbery é história. Foi um instrumento de retaguarda que buscava atender os interesses nacionais da melhor forma possível para a época. Além de visionário, Golbery tinha interesses que levavam o Brasil a ser uma grande potência. Para a época, foi polêmico. O resultado, a história nos dirá. Ele tinha suas colocações. Era uma figura controversa, mas bem intencionado em todos os sentidos. Além de nunca ter tido nada a ver com corrupção, ele sempre lutou por objetivos e ideais, o que não vemos nos políticos de hoje. Só por esse fato ele já é uma figura ilustre, além de suas realizações que podem ser avaliadas como positivas ou negativas nos dias de hoje.
Elder Dias — Como o sr. analisa o papel das Forças Armadas hoje, enquanto instituição? São submissas ou estão devidamente encaixadas no organograma do Estado?

As Forças Armadas têm uma missão constitucional e a isso está atendendo perfeitamente. O que se pode questionar é o que consta na estratégia nacional de defesa. A parte militar das três Forças ficou isolada do processo decisório nacional pela criação do Ministério da Defesa e pela sistemática adotada pelo governo atual. As Forças Armadas perderam peso político. E, em termos de participação no poder, os militares tiveram sua oportunidade e, na medida em que foram se afastando do processo decisório, nós voltamos às nossas atividades normais como militares. A estatura política internacional do Brasil precisa de maior envergadura no campo militar, que no momento é o mais enfraquecido dos campos de poder.
Cezar Santos — E sua avaliação sobre o papel do Ministério da Defesa e da atuação do titular, Nélson Jobim (PMDB)?

Quanto ao ministro, é escolha da presidente, não comento por ser avaliação pessoal e política. Quanto ao ministério, a grande vantagem é que determinou políticas comuns para as três Forças no sentido de que elas trabalhem unidas e coesas num sentido de visão estratégica. É um trabalho ainda em andamento, tem muito o que progredir, mas os primeiros resultados são significativos e nos levam a esperar bons resultados.
“Não temos estadistas. Faltam líderes”

Everaldo Leite — Seu livro fala do Brasil no século 21. Tomando a China como referência, ela se inseriu na economia global de forma ativa e tem uma política industrial agressiva. O Brasil preferiu a inserção passiva e seu processo é de desindustrialização. A China precisa das nossas matérias-primas e o Brasil até se abre para ela produzir aqui. Na relação Brasil com China e com os outros países, em que posição estaremos em 2050, em 2100?

Na última parte do livro temos uma análise prospectiva. A China, desde que foi unificada nos sete povos no império Chin, está há 5 mil anos na fila esperando a vez dela para chegar a império global. Nessa avaliação, creio que a China será o próximo império mundial, com a queda de outro império naquele 11 de setembro de 2001. Um império não cai de uma hora para outra, é um processo gradual. A China tem suas dificuldades e fraquezas, mas tem tudo para ser um império, tanto pela área geográfica, pelo povo, pelos recursos, pela tecnologia. E está crescendo. Mas depende muito de matérias-primas e aí é a grande vantagem do Brasil, que é autossuficiente em praticamente tudo. Temos deficiências, mas em relação aos emergentes estamos, na maioria dos campos, em melhores condições. Mas a nossa vez ainda não chegou, não estamos maduros. O Brasil está chegando à maioridade agora.

Cezar Santos — E quais são as nossas principais deficiências?

A principal é que não temos estadistas, não temos lideranças, não temos condutores. Faltam-nos os pais da Nação, como os Estados Unidos tiveram. Líderes que puxem o país, que orientem. Se tivéssemos isso, teríamos queimado etapas muito mais rapidamente. Nosso potencial nos permite que cheguemos com rapidez a novos patamares de grandeza. A segunda grande deficiência, que não deixa de ser decorrência da primeira, é a educação. Temos população, temos matéria-prima, temos espaço geográfico, mas nos falta ainda a formatação do tipo brasileiro. Somos um povo em formação, uma miscigenação de brancos, pretos, índios, alemães, italianos, japoneses, todo mundo que veio para cá, e estamos nos consolidando.  Precisamos elevar nosso nível de conscientização e integração social tanto como sociedade quanto como geografia, para que esse imenso potencial vá numa mesma direção de esforços e objetivos. Acho que isso é possível em 50 anos. Então em 2050 espero nossos filhos e netos tenham um país melhor. Mas temos desafios a superar, sob risco de desintegração.
Cezar Santos — Resumindo, o Brasil continua sendo o país do futuro, como preconizou o escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942), em seu livro "Brasil, País do Futuro", em 1941?

Não, somos um país do futuro. Mas um futuro mais perto. Éramos de um futuro distante, hoje mais perto. Fomos um país do futuro, mas estamos começando a concretizar. Somos emergentes para os demais, mas estamos mudando o tabuleiro internacional. Então o país do futuro passará a se tornar realidade.
Elder Dias — O governo Lula teve papel estratégico nessa colocação do Brasil em papel mais eloquente ou independeu dele?

Como todos os governos, teve pontos positivos e negativos. Um dos pontos positivos do governo Lula foi buscar com ênfase esse espaço no cenário internacional, assento no Conselho de Segurança da ONU e maior participação nos órgãos decisórios internacionais. Os resultados não foram tão realistas como desejados, mas certamente o país tem nova imagem no cenário internacional.
Elder Dias — O Brasil ainda não tem um grande estadista?

Nós temos nossos heróis. Podemos citar Rio Branco [1845-1912, José Maria da Silva Paranhos Júnior, barão do Rio Branco, político e diplomata], nas relações internacionais, ele praticamente consolidou nossas fronteiras. Duque de Caxias [1803-1880, Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, um dos mais importantes militares e estadistas da história do Brasil], que manteve a coesão nacional. É um herói da maior grandeza, sem ele não seríamos um Brasil unido. São homens que tiveram missões e cumpriram. Mais recentemente, os Andradas, na época da independência. Outros deram sua participação com maior ou menor brilho. Mas precisamos ter líderes mais coerentes e conscientes na continuidade da condução do país.
Elder Dias — E Getúlio Vargas (1882-1954), Juscelino Kubitschek (1902-1976) os governos militares (1964-1985), FHC e Lula...

Todos tiveram pontos positivos e negativos. Vargas deu grandes conquistas às classes trabalhadoras, que continuam até hoje. JK fez a interiorização do País, apesar do preço que pagamos por isso na construção de Brasília, a desestabilização econômica, etc. Foi uma das molas mestras de interiorização, deixamos de ser litorâneos e hoje estamos colhendo os frutos da expansão agrícola, de novos centros, como Goiânia e assim por diante. E esperamos que venha alguém que faça esse papel para a Amazônia. Os governos militares deixaram como grande legado a transformação social e econômica. O Brasil passou da 48ª posição econômica para ser a 8ª economia mundial em curto espaço de tempo. Apesar de a esquerda querer reescrever a história, os fatos não se apagam nunca, os resultados ficam. Fernando Henrique, com Itamar Franco, fez o Plano Real, que deu estabilidade econômica ao Brasil. No governo Lula, com seus prós e contras, eu critico veementemente a política dissociativa da esquerda. Eles veem mais interesses internacionais, ideológicos e partidários que os interesses do Brasil e isso não podemos aceitar.   


Fonte: Jornal Opção



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