sexta-feira, 15 de julho de 2011

Dira Paes: No sul do Pará, não se toma mais tacacá

Em poucos anos vamos ter todos os olhares do mundo voltados para o Norte do Brasil, além do ecossistema amazônico, grande parte da água doce do planeta está lá. Esta semana foi entregue à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, uma lista da Comissão Pastoral Da Terra que contém 1.885 ameaçados de morte em conflitos agrários no País. Também esta semana, foi entregue em mãos pelo MHUD (Movimento Humanos Direitos), ONG da qual faço parte, um vídeo com cerca de 30 depoimentos de artistas e civis, mobilizados em prol dos ameaçados de morte que lutam em favor dos direitos humanos, da terra, do meio ambiente e contra a pedofilia.


Rio - Imagine um Brasil descoberto há 500 anos. Pois esse Brasil existe, e fica logo ali em cima, na Amazônia. O Pará é um dos estados que compõem a Bacia Amazônica, uma das maiores riquezas ambientais da Terra. Tem características únicas de suas tradições indígenas presentes no cotidiano do paraense, como tomar um tacacá depois da chuva. Em poucos anos vamos ter todos os olhares do mundo voltados para o Norte do Brasil, além do ecossistema amazônico, grande parte da água doce do planeta está lá. O Pará encontra-se estrategicamente colocado, na rota de crimes que nos remetem à época da chegada dos colonizadores. A ganância pela terra, a degradação do todo um ecossistema, o trabalho escravo, a pirataria e, pasme, o tráfico humano, estão dilacerando um Brasil dos mais remotos. Devido a sua localização geograficamente privilegiada, com sua imensa rede rodofluvial, os grandes portos paraenses conectam-se com o Atlântico, assim como a BR316, a Transbrasiliana, escoam crimes que afetam a todos nós, sem que sequer tenhamos notícias oficiais da dimensão desses conflitos.
Esta semana foi entregue à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, uma lista da Comissão Pastoral Da Terra que contém 1.885 ameaçados de morte em conflitos agrários no País. Também esta semana, foi entregue em mãos pelo MHUD (Movimento Humanos Direitos), ONG da qual faço parte, um vídeo com cerca de 30 depoimentos de artistas e civis, mobilizados em prol dos ameaçados de morte que lutam em favor dos direitos humanos, da terra, do meio ambiente e contra a pedofilia. Entre os presentes estavam D. Maria Joel, líder sindical dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará, ameaçada de morte, sendo o próximo nome de uma lista macabra que circula na região. Ao ser indagada se tinha medo de morrer, D. Maria Joel respira fundo e diz: “Tenho sim, eu tenho medo de morrer. Mas é justamente isso que me mantém viva”. Precisamos que o governo combata esses crimes. Que sejam não só denunciados, mas que sejam julgados e condenados.

O Brasil se organiza e levanta uma fortuna para construir a terceira maior obra da engenharia civil do mundo, a hidroelétrica de Belo Monte em pleno Rio Xingu, e não se garante a mínima de ter todas as crianças na escola, como lhes é de direito. Quando se degrada uma comunidade, se descaracteriza a cultura de um povo como um todo. O Pará está sendo devorado pela ambição desmedida e pela impunidade. No sul do Pará, não se toma mais tacacá, ninguém mais vê a chuva passar, ninguém mais toma banho de cheiro, para ir para o carimbó dançar.

Fonte: O Dia on-line 

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