quarta-feira, 27 de julho de 2011

Modelo cruel

Constatamos que não podemos rebaixar o debate da energia a questões de natureza tecnológica, apesar de sua importância. As violações seguem em ritmo acelerado, como comprovou o recente relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Nossas tarifas foram elevadas a patamares internacionais, aos padrões de energia térmica, fruto da privatização que converteu a energia elétrica no principal negócio, capaz de gerar taxas de lucro extraordinárias.



GILBERTO CARLOS CERVINSKI



Nos próximos dez anos, sessenta grandes hidrelétricas estão planejadas para o sistema nacional brasileiro. Grande parte na região amazônica. O discurso oficial é sempre o mesmo: seriam obras para o desenvolvimento do país, geração de empregos, diminuição das tarifas, tecnologia mais limpa. Esta realidade nos obrigou a entender a totalidade do problema energético. Constatamos que não podemos rebaixar o debate da energia a questões de natureza tecnológica, apesar de sua importância. O problema central é o modelo energético. Energia para quê? E para quem? Desta forma, todos somos atingidos.



O atual modelo não compensa e nem indeniza as populações atingidas. Ao longo destes vinte anos de movimento nacional, milhares de famílias têm sido vítimas de um padrão nacional de violação de direitos humanos em barragens. O uso de práticas de acumulação primitiva, por governos e empresas, resultou numa dívida social histórica do Estado brasileiro, ainda não paga. As violações seguem em ritmo acelerado, como comprovou o recente relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.



Temos um sistema de geração basicamente hídrico, com custo de produção considerado baixo. Porém, pagamos as tarifas mais altas do mundo. Nossas tarifas foram elevadas a patamares internacionais, aos padrões de energia térmica, fruto da privatização que converteu a energia elétrica no principal negócio, capaz de gerar taxas de lucro extraordinárias.



Porém, os consumidores livres, a chamada indústria eletrointensiva exportadora - setor altamente poluidor, de baixo valor agregado, baixa geração de emprego e beneficiado pela Lei Kandir -, têm sido privilegiados. Consomem 25% da energia elétrica brasileira e pagam tarifas ao custo de produção real, em média dez vezes menores. Ou seja, constroem-se barragens para privilegiar a exportação de produtos de alta densidade energética, que junto remetem água, florestas e um padrão nacional de violação de ribeirinhos e INDÍGENASBelo Monte faz parte desta lógica.



O Estado brasileiro se transformou num grande instrumento de regulamentação, manutenção e reprodução dos interesses das corporações. O BNDES, sem nenhuma transparência, é a principal ferramenta desta lógica, financiando os mesmos grupos que saqueiam nosso povo, superexploram os operários e desrespeitam a legislação ambiental. A Aneel atua para garantir e proteger os interesses das empresas, nada mais.



A raiz do problema está no modelo energético, transformado em vários negócios, organizado e comandado com mecanismos e lógica do capital financeiro para especular e extrair as maiores taxas de lucro em cada ramo da energia. A energia tem sido utilizada como forma de acelerar a produtividade dos trabalhadores, produzindo uma extraordinária concentração de riquezas nas mãos de poucos. Nada disso tem sido revertido em benefício da população. Nosso compromisso, enquanto atingidos e povo brasileiro, é mudar esta realidade.



GILBERTO CARLOS CERVINSKI é membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).




Fonte: O Globo




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