A recorrente paralisação de trabalhadores nas principais obras de infraestrutura do país, movimento detonado dois meses atrás com a revolta que pôs abaixo os alojamentos da hidrelétrica de Jirau, não tem preocupado apenas governo e empreiteiras. O alerta enviado dos canteiros de obra chegou, de forma bem nítida, aos ouvidos das seguradoras e resseguradoras que avalizam esses projetos país afora. A consequência disso foi imediata: as grandes seguradoras decidiram rever, em maior ou menor grau, as equações que utilizam para formular suas apólices de seguro.
O Valor conversou com executivos de companhias como Allianz, Banco do Brasil - Mapfre, Munich Re e Liberty. Todos afirmam que, até poucos meses atrás, ações de mitigação contra atos de vandalismo e gestão de recursos humanos constavam de suas planilhas, mas eram assuntos que então não tinham destaque nos cálculos de risco. Agora os temas pularam para o topo da lista, mexendo com as propostas de seguradoras e, principalmente, com o preço cobrado para bancar esses riscos.
"Esses episódios preocupam porque simplesmente, até agora, não apareciam na nossa matriz. Os maiores riscos estavam relacionados a situações como danos à natureza e qualidade de materiais utilizados, por exemplo", diz Angelo Colombo, diretor-executivo da área de grandes riscos da Allianz Seguros. "Daqui para a frente vai haver uma adaptação das apólices. Esses riscos estavam inclusos nas franquias, mas com preços muito baixos. Não envolviam uma verba considerável."
As seguradoras que atuam no mercado de grandes riscos reconhecem que nunca viveram um momento tão positivo, reflexo do volume intenso de obras em andamento no país. O mercado de seguros está mais competitivo e companhias internacionais desse setor não param de desembarcar no país. Essa pujança, no entanto, tem sido ameaçada pela limitação de mão de obra qualificada do país. "Hoje há uma disputa enorme das maiores empreiteiras pelas obras. Com isso, o preço tende a cair e as condições oferecidas para o trabalhador já não são as melhores", diz André Guidetti, gerente da divisão de grandes riscos de engenharia da Liberty International Underwriters (LIU). "Tudo isso influencia no seguro. Quanto maior o risco, mais detalhes são necessários e mais caro ele fica."
Outro fator de risco que passou a pesar na balança é a concentração de grande volume de obras nas mãos de poucas empreiteiras. Segundo Tânia Amaral, superintendente de riscos financeiros da Munich Re, construtoras que, em princípio, teriam uma classificação de risco melhor e normalmente pagariam preços mais baratos têm pago prêmios mais caros devido ao acúmulo de obras que já possuem. "O risco acaba sendo maior, pois elas podem ter mais dificuldade de administrar e investir em tantos projetos ao mesmo tempo", diz Tânia. "A empresa que não está preparada para entrar em um novo projeto, considerando a conjuntura atual de escassez de mão de obra, não estaria apta a obter uma apólice de seguro garantia."
Tânia afirma que a Munich Re já chegou a desistir de entrar em diversos projetos por problemas estruturais ligados à obra ou ao tomador do seguro. A Liberty, revela André Guidetti, gerente da divisão de grandes riscos da seguradora, decidiu ficar fora da hidrelétrica de Belo Monte por ter dúvidas em relação ao projeto. "O grupo não se sentiu confortável de entrar nesse projeto. Embora o projeto seja bem feito, tivemos dúvidas sobre o gerenciamento de projeto, além de aspectos técnicos de dimensionamento de estruturas."
As seguradoras J. Malucelli, Fator e UBF Seguros se uniram para atender às garantias de Belo Monte, que será construída no rio Xingu, no Pará.
Seguro é feito de estatística e Jirau fez acender uma preocupação a mais com os riscos das grandes obras, comenta Guidetti. "As condições do seguro mudaram. Hoje não vou aplicar uma mesma franquia em relação a tumulto que aplicava um ano atrás. É como um seguro de carro. Se o local em que fica envolve mais ocorrências de roubo, é claro que será mais caro."
No canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho (RO), o consórcio Energia Sustentável do Brasil e o grupo segurador Banco do Brasil-Mapfre, responsável pela obra, ainda não chegaram a um acordo sobre os prejuízos causados. Wady Cury, diretor geral de grandes riscos da seguradora, diz que as empresas estão analisando o tamanho do rombo e como será quitado. "A questão é saber exatamente que prejuízos são cobertos, se estão abaixo ou acima da franquia." Segundo Cury, os incidentes no complexo do rio Madeira decorrem da necessidade de as empresas acelerarem as obras a qualquer de custo, para anteciparem o lucro. "É um risco. Não há dúvida que os novos projetos que vão entrar em operação terão de passar o quanto antes por uma análise mais criteriosa."
Apesar do impacto que as limitações de mão de obra impõem às seguradoras e empreiteiras, Cury não acredita num aumento considerável de custo nas apólices, já que há uma forte competição no mercado e ninguém quer ficar de fora de grandes projetos. "Não é o aumento de taxa cobrada que irá corrigir o risco, mas sim uma taxa com condições", diz ele. "A melhor saída é um conjunto de cláusulas, de coberturas acessórias, um estudo completo."
Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, as receitas das seguradoras com seguro garantia atingiram R$ 727 milhões no ano passado, contra R$ 695 milhões de 2009. No primeiro bimestre deste ano, o setor faturou R$ 102,3 milhões.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário