Nos últimos dias, uma série de violações dos direitos mais elementares dos trabalhadores em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) têm sido noticiadas pela imprensa: na construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira; na construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco; e na termelétrica de Pecém, no Ceará. Apesar destes direitos trabalhistas estarem consolidados em lei, as suas recorrentes violações não fizeram com que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), maior financiador das obras do PAC, suspendesse os financiamentos a essas polêmicas obras. Além disso, o Banco continua a não submeter os critérios de aprovação aos financiamentos e o monitoramento de contratos ao debate público e à fiscalização.
Em setembro de 2008, uma carta do GT Hidrelétricas da Plataforma BNDES dirigida ao banco já alertava para os graves riscos dos projetos energéticos no Rio Madeira e demandava a suspensão do crédito até que as dúvidas fossem sanadas. Dentre os riscos financeiros, ambientais e legais, a carta alertava para “a bomba demográfica e social a eclodir na região em função da constituição de um pólo de atração migratória” e solicitava a abertura de um canal de diálogo com a população afetada pelos empreendimentos, além de informações sobre o tratamento dado pelo banco aos passivos sociais e ambientais gerados por seus financiamentos para a construção de hidrelétricas.
Desde a sua criação, a Plataforma BNDES tem demandado do Banco iniciativas que confiram transparência aos seus financiamentos de modo que a opinião pública e as populações atingidas possam conhecer e incidir sobre os critérios que definem a tomada de decisão e a avaliação dos empreendimentos apoiados.
Apesar de ter respondido à solicitação da Plataforma com a criação de uma “Janela de Transparência”, o acesso à informação ainda é muito restrito e seletivo.
Neste momento, torna-se explícito como a transparência da atuação do BNDES - maior banco de fomento do Brasil e um dos maiores do mundo - é fundamental, já que o Banco tem financiado empreendimentos que violam gravemente os direitos dos trabalhadores, além de muitas outras violações. Estes recentes acontecimentos evidenciam que o BNDES precisa divulgar publicamente os critérios que utiliza para conceder seus financiamentos e para monitorar o andamento das obras.
No dia 23 de fevereiro, vinte dias antes de começarem as mobilizações dos trabalhadores de Jirau e Santo Antônio, uma equipe técnica do Banco visitou as obras e fez uma avaliação positiva do empreendimento. A visita foi noticiada por um jornal local: “Equipe técnica do departamento de energia elétrica do órgão avaliou positivamente a construção do empreendimento. Equipe formada por técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acompanhou na quarta-feira, 23, o andamento das obras na Usina Hidrelétrica Jirau e Nova Mutum Paraná. O diretor Administrativo e Financeiro da Energia Sustentável do Brasil, Paulo Mantuano, recepcionou o grupo de engenheiros, economistas e advogados do órgão (...) “Trimestralmente acompanhamos o empreendimento através de relatórios, avaliamos o andamento físico e financeiro do projeto, ações socioambientais e obrigações contratuais”.1
Importa lembrar ainda que no início de 2008 o Banco anunciou em seu site eletrônico a criação de Cláusulas Sociais, que, dentre outros aspectos, prevêem a suspensão ou exigência pelo Banco do vencimento antecipado do contrato de financiamento, mediante constatação de desrespeito à legislação que trata do combate à discriminação de raça ou de gênero, ao trabalho infantil e ao trabalho escravo ou de eventuais práticas criminosas em projetos financiados pela instituição.2 No entanto, a falta de transparência impede que a opinião pública exerça qualquer tipo de controle social sobre as regras, políticas e cláusulas sociais criadas pelo próprio Banco.
Diante disso, as organizações e movimentos sociais que integram a Plataforma BNDES, demandam:
- A imediata suspensão dos desembolsos do BNDES para os consórcios responsáveis (Energia Sustentável do Brasil - Suez, Camargo Côrrea, Eletrosul e Chesf; e Santo Antônio Energia - Odebrecht, Furnas, Cemig, Andrade Gutierrez, Santander e Banif) pelas obras das Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, até que todas as demandas dos trabalhadores sejam atendidas e as cláusulas sociais respeitadas;
- Uma prestação de contas detalhada dos recursos liberados pelo BNDES e utilizados pelos consórcios até o momento e a publicização desta pelo BNDES;
- A instalação de uma Auditoria Pública para investigar a aplicação dos recursos que já foram liberados pelo BNDES para estas duas usinas;
- A realização de uma missão permanente do BNDES na região, que tenha como objetivo promover oimediato diálogo com as organizações sociais, de atingidos e de trabalhadores e buscar as devidas soluções para os problemas decorrentes da instalação dos projetos;
- A liberação imediata de recursos para a implementação de uma política de recuperação das comunidades e municípios atingidos pelas obras de Jirau e Santo Antônio, com controle social, onde os recursos devam ser planejados, controlados e aplicados prioritariamente em questões sociais, especialmente para os trabalhadores e populações atingidas;
- Que o BNDES divulgue em sua página na internet os relatórios de acompanhamento do andamento físico e financeiro dos projetos financiados, ações socioambientais e obrigações contratuais previstas nos contratos, começando pelas Usinas de Jirau e Santo Antônio;
- A definição de políticas de Transparência e Controle Social, de modo a contribuir para que o acompanhamento dos desembolsos em investimentos públicos em infra-estrutura sejam de domínio público, e para que haja maior rigor quanto ao cumprimento das metas estabelecidas nos contratos de crédito;
- Que o governo brasileiro responda aos questionamentos formulados pelo governo da Bolívia sobre os impactos transfronteiriços gerados pela construção das represas de Jirau e Santo Antônio.
Reforçando o nosso compromisso de luta por uma sociedade justa, solidária e igualitária, em que, necessariamente, os financiamentos públicos são orientados para a eliminação das desigualdades sociais – e não o contrário - , aguardamos um retorno o mais rápido possível.
Plataforma BNDES, 29 de março de 2011
Fonte:Gabriel Strautman*
*Gabriel Strautman é economista do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), integrante da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e da Rede Jubileu Sul.
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