terça-feira, 21 de setembro de 2010

Tapajós. ”Inundados 9.500 hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, além de terras indígenas’

Sob o título “Energia, a riqueza que emerge do Tapajós”, o jornal Diário do Pará, publicou uma reportagem sobre o potencial hídrico do Rio Tapajós a ser explorado pelos projetos de construção de várias usinas hidrelétricas.

A reportagem foi reproduzida pelo sítio Amazonia.org.br, 10-09-2010 e pelas “Notícias do Dia” do IHU, 11-09-2010, com um amplo adendo “Para ler mais”.

Edilberto Sena, padre, membro da Frente em Defesa da Amazônia, de Santarém, em nome da articulação Tapajós Vivo, contesta a reportagem em artigo que publicamos a seguir.


Eis o artigo.

1. “Itaituba que deverá assumir também, dentro dez a quinze anos, a condição de um dos maiores produtores nacionais de energia elétrica. Isso, sem perder as características que foi adquirindo ao longo de décadas – uma cidade de vigoroso crescimento econômico e também demográfico, comércio dinâmico e reconhecida vocação para a atividade mineral, com destaque para a exploração aurífera. “

Só quem não conhece a cidade pode afirmar isso, ou sendo plantador de afirmações ufanistas com segundas intenções, o mais provável. Itaituba hoje vive o refluxo do ciclo dos garimpos: 100.000 habitantes, imensa periferia desordenada, maioria ex garimpeiros, um comércio dependente de Santarém e do sul do país, importando hortaliças, frutas e outros produtos de fora. Exploração de ouro continua, mas agora como admite o artigo, com grandes empresas forasteiras explorando ouro com tecnologia moderna e levando para fora os lucros. O que sustenta hoje a economia da cidade é a exploração desordenada de madeira (até o atual prefeito é grande madeireiro), uma criação de gado incipiente, herança de alguns donos de garimpos que empregaram seus lucros em fazendas e uma fábrica de cimento, que explora matéria prima local e vende cimento muito mais caro do que 15 anos atrás, quando cimento era importado. Quanto a maior produtor de energia elétrica será também o maior desastre econômico, social e ambiental da Amazônia. Para se ter uma idéia, caso as cinco usinas forem construídas serão 1.950 kms quadrados de inundações numa só bacia hidrográfica, o Tapajós; serão milhares de hectares de florestas de unidades de conservação destruídas, inclusive no Parque Nacional da Amazônia e no Parque Nacional do Jamanxin.

2. “Porém, quando está em discussão o futuro do município, as lideranças políticas, os dirigentes empresariais e os principais formadores de opinião de Itaituba têm como preocupação primeira, hoje, o debate sobre o papel que lhe caberá no mapa dos grandes produtores brasileiros de energia. E nem poderia ser diferente. Afinal, quando – e se – o complexo hidrelétrico do Tapajós estiver operando à plena carga, o Pará estará assumindo a liderança nacional do setor”.

As lideranças políticas de que fala o artigo são vereadores, prefeitos de plantão e outros da região, sem mandato. Não menciona que todos os atuais vereadores já foram seduzidos pela Eletronorte, com passeio turístico a Itaipu, tudo pago pela empresa para admirarem o progresso de Itaipu e sonharem com o progresso de Itaituba. Os oportunistas vereadores até hoje se omitem às críticas, ou aplaudem o perverso projeto das cinco hidrelétricas no Tapajós. Nos vários encontros que realizamos na cidade pepita (assim é conhecida lá) tivemos poucos, ou nenhum político participando. Observe que no mais recente encontro das 4 bacias ( 25 a 27 de agosto 2010) estivemos 540 participantes e nenhum político local compareceu

Portanto, o que se refere o artigo sobre “lideranças…” são oportunistas que sonham usufruir as sobras dos grandes empreendimentos do governo federal. Recusam analisar as conseqüências negativas para as famílias ribeirinhas e indígenas da região. Não pensam no inchaço que ocorrerá na cidade com a avalanche de migrantes que virão em busca de trabalho, sem chance. E ao final, toda a energia, se um dia for gerada, não será para Itaituba, nem o Pará, mas sim para grandes empresas mineradoras como ALCOA, MRN, Vale, Serabi, Rio Tinto e outras que estão de olho no eldorado amazônico.

3. “A maior das cinco usinas projetadas pela Eletrobrás para construção no rio Tapajós será a de São Luiz, nome de um vilarejo localizado próximo às cachoeiras do mesmo nome, cerca de 50 km acima de Itaituba. Uma falha geológica faz com que as águas do rio Tapajós experimentem naquele ponto um desnível acentuado. Ao longo de 17 km, elas descem furiosamente, espremendo-se em canais estreitos ou chocando-se violentamente contra as formações rochosas. Pelo plano inicial, essa usina seria construída a montante das cachoeiras, conduzindo a vazão do rio por um canal artificial que seria aberto dentro do Parque Nacional da Amazônia até a casa de força. Com isso, seria possível preservar as cachoeiras, evitando-se que elas fossem inundadas pelo reservatório”.

A descrição do projeto serve bem para quem vive em Porto Alegre, em Tókio, ou em Paris, tudo maravilha, dentro dos conformes dos cuidados com o meio ambiente. Maravilha! Mas para quem vive aqui na região e conhece a vida na floresta e no rio sabe que não é só uma questão de construir a montante ou jusante de um rio para salvar cachoeiras. É sim uma questão de pensar nas vidas dos ribeirinhos, indígenas, peixes de piracema, florestas do Parque Nacional da Amazônia. A preocupação da Eletronorte é gerar energia “limpa”, como eles dizem, ignorando que é suja a inundação de 732 kms quadrados, que será provocada com o primeiro lago gerado pela barragem de 36 metros de altura que se construída lá em São Luiz do Tapajós. Serão inundados 9.500 hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, além de terras indígenas, florestas nacionais criadas pelo próprio atual governo.

4. “Na construção das cinco hidrelétricas, a Eletrobrás pretende utilizar o conceito de usinas-plataformas. À semelhança das plataformas submarinas de petróleo, elas vão dispensar a logística convencional de apoio, como a formação de grandes canteiros de obras e vilas residenciais. Na fase de construção, em vez de permitir a criação de cidades ao redor das usinas, o projeto da Eletrobrás se dispõe a criar reservas ambientais o que, em princípio, descartaria a possibilidade de ocupação humana.

Essa é uma das mentiras da empresa estatal que só mesmo quem não conhece pode aceitar. A empresa afirma que as usinas no Tapajós, se forem iniciadas atrairão cerca de 75.000 trabalhadores, porém, só absorverão 25.000 deles diretamente, o que significa que 50.000 migrantes estarão nas periferias de Itaituba procurando trabalho, causando problemas sociais, prostituição, assaltos,etc. Pensando nos 25.000 supostamente empregados nas obras, que seguirão moderno modelo de usinas construídas em forma de plataforma, como as da Petrobrás em alto mar. Ora, a maior até hoje construída pela Petrobrás cabe 450 pessoas trabalhando. Imaginando por outras experiências, que a usina de Jatobá a segunda na lista no Tapajós absorva 10.000 trabalhadores. Dividindo em 4 turnos, daria 2.500 trabalhadores em cada turno, nenhum morando na vizinhança da obra. Como seriam transportadas essas turmas para fora e para dentro da obra, a cada turno? De helicóptero, como sugere a Eletronorte? De navio? De avião? De que tamanho seria qualquer um desses meios de transportes para subir e descer o rio encachoeirado?

5. Com tais aberrações escritas num só artigo, só se pode imaginar que esta matéria tenha sido escrita por algum funcionário de marketing da Eletronorte e plantado num jornal não muito científico, como é o Diário do Pará, de Belém. Surpreende um site como o Amazônia.org.br se dê ao trabalho de reproduzir. De Itaituba o que sabemos é que é uma sociedade sofrida com 100.000 habitantes, dos quais ao menos 2/3 vivem nas periferias, desempregados ou semi empregados, com alto índice de prostituição, drogas, menores de rua e sem consciência crítica. Seus comerciantes e políticos, em sua maioria oportunistas, sonham em usufruir dos recursos e favores que nestes casos aparecem conjunturalmente, como foi no tempo dos garimpos do Tapajós. A Eletronorte, como no rio Madeira, Tucuruí e Estreito, vai enfiando goela abaixo as obras, iludindo as populações despolitizadas a aceitarem as obras como se fossem desenvolvimento.

Mas já existe aqui na região um crescente número de organizações populares que não aceitarão passivas as investidas dos que querem destruir os rios, as populações e as Unidades de Conservação para construir usinas poluentes e destruidoras da vida na região. Já existe uma Aliança Tapajós Vivo, que articula resistência firme, junto com os índios Munduruku contra os engodos da Eletronorte. O desastre atual no rio Madeira é um alerta para nós do Tapajós, por isso, estamos preparando a resistência.

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