Em mais um atropelo no processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) liberou hoje a licença de instalação que autoriza o início das obras, mesmo sem o cumprimento das condicionantes e em clara oposição à recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) de suspender o projeto até que o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas sobre a obra seja assegurada.
"Não recuaremos um centímetro. A cada erro, a cada mentira, só aumenta mais nossa indignação e nossa força de lutar. Esta licença é a ante-sala de um crime que nós impediremos que seja cometido, custe o que custar", disse Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.
Nos documentos disponibilizados no site do Ibama, o órgão admite com todas as letras que as condicionantes não foram cumpridas. Ou seja, as ações antecipatórias, impostas pelo próprio Ibama e pela Funai para a liberação da Licença Prévia e que na época eram exigências para concessão da Licença de Instalação, foram empurradas para fases posteriores.
“A licença nos pegou de surpresa porque, semana passada, recebemos um documento da Norte Energia que mostra que as condicionantes não foram cumpridas. Essas ações serão cumpridas posteriormente, como se os impactos seguissem o mesmo cronograma. Mas eles já podem ser sentidos na região. O próprio Ibama admite que haverá piora da qualidade de água em Altamira e a precária situação do saneamento básico na cidade tem o potencial de causar tragédias sanitárias na região. E, embora o Ibama continue colocando tudo como exigência, qual a segurança que temos que o governo irá cobrá-las depois se não o fez previamente?”, questiona Felício Pontes Jr, que está analisando os documentos da Licença com outros procuradores e não descarta iniciar nova ação judicial.
Outro exemplo é a mudança, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), do prazo de desintrusão das Terras Indígenas, que ficou para antes da Licença de Operação – a última do processo de licenciamento ambiental. Ou seja, só precisarão ser realizadas daqui a cerca de cinco anos. No cenário previsto para a obra, a tendência é que a ocupação ilegal dessas áreas se acentue, aumentando a tensão fundiária já acirrada na região.
Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros enviaram hoje uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas a violações de direitos humanos e descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte. O documento solicita a suspensão da obra até que sejam cumpridas as condicionantes, julgadas as ações públicas e assegurado o respeito aos direitos humanos e ambientais consagrados na Constituição Brasileira e em declarações e convenções internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Vinte Associações Científicas, dentre as quais a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências, já haviam enviado carta à presidente Dilma pedindo o cumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente o de consulta prévia, livre e informada. A violação deste direito resultou, em abril, na recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela paralisação das obras de Belo Monte.
“A concessão de licença de instalação é ilegal por contrariar a decisão da CIDH e representa uma demonstração clara e inequívoca de desrespeito aos mecanismos internacionais de defesa dos direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário”, disse Roberta Amanajás, advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. “Tal atitude nos remete ao triste episódio do regime de exceção, quando, nos anos de chumbo, a Comissão Interamericana solicitou uma visita que foi rejeitada pelo Brasil. Esperamos que os dois acontecimentos não sejam mera coincidência em um governo que se diz democrático e popular”.
A maneira como vem ocorrendo o processo de licenciamento da usina vem provocando a ocorrência de graves conflitos e tensões na região de Altamira, incluindo o deslocamento compulsório de comunidades tradicionais, alheias a qualquer programa ou política de compensação, além de ameaça de morte a lideranças indígenas e tentativas, por parte do consórcio Norte Energia e do governo, de limitar a atuação do Ministério Público Federal do Pará que, historicamente, defende o direito constitucional das populações indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia, exigindo o cumprimento da legislação ambiental e de tratados de direitos humanos.
Embora a propaganda oficial do governo afirme categoricamente que Belo Monte tenha potência de 11 mil megawatts , a própria NESA reconhece no Plano Básico Ambiental (PBA) que a usina tem estimativa de potência média equivalente de pouco mais de um terço deste total ao ano.
Além disso, as dúvidas sobre a viabilidade econômica da obra vêm aumentando. Na última semana, o jornal O Globo noticiou uma debandada das empresas sócio minoritárias da usina antes mesmo das obras serem iniciadas, diante da previsão de que a obra pode chegar a R$ 35 bilhões – quase o dobro dos R$ 19 bilhões estimados oficialmente para o leilão, e R$ 7 bilhões acima dos R$ 28 bilhões já consolidados pelo consórcio Norte Energia.
Fonte: XinguVivo.org.br
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