quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Nota de solidariedade aos povos em luta contra a hidrelétrica de Belo Monte

Passados mais de 20 anos do fim da ditadura militar, que cerceou os direitos sociais e atentou contra qualquer luta e reivindicação da sociedade, resquícios ainda perduram, embora com alguns avanços conquistados rumo à democracia. Com assombro nos últimos anos, assistimos a multiplicação de grandes empreendimentos em todo o Brasil, mormente compondo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, que vem se configurando, na prática como verdadeiros atentados à democracia pretendida. As ações, no sentido de implementar estes projetos se dão, anacronicamente e sem exceção, através de atos eminentemente ditatoriais, ignorando as leis e, principalmente, as populações locais atingidas por estes projetos do capital.

Exemplos não faltam: projeto de transposição do rio São Francisco, hidrelétricas no rio Madeira e várias outras grandes e pequenas centrais hidrelétricas, estradas, hidrovias e portos. Projetos cuja semelhança está, principalmente, em não permitir a efetiva participação daqueles e daquelas que serão brutalmente atingidos e cerceados, em muitos casos, de seus espaços de vida secularmente construídos.

Assim é o Projeto hidrelétrico de Belo Monte, herança ainda da ditadura militar, que já foi chamada de Kararaô. Mudou o nome, mas não as formas de pressão e atentados contra os povos, que têm no rio Xingu mais que uma porção de água. Para os povos indígenas, o Xingu é vida, fonte de sobrevivência, de alimento, de fé, de cosmovisão, de mitos. O Xingu é a estrada que se trilha para a esperança, representando o maior bem humano, que é a casa. Não se destrói a casa do outro.

É nesta região que se trava a arena de conflitos, principalmente causadas pelas grandes construtoras, mineradoras, companhias hidrelétricas, empresários e demais segmentos do capital e do poder político que, em nome do desenvolvimento, têm destruído o ambiente, e consequentemente trazendo os dilemas sociais de segmentos considerados marginalizados, à mercê de políticas que insistem em roubar a vida... Não há nenhum direito que seja legítimo, quando roubamos a esperança do povo brasileiro, uma prática herdada da sangrenta história brasileira e que ainda persiste de forma direta ou indireta.

Diante de uma nova política pública para a Amazônia Legal, com objetivos de um novo modelo de desenvolvimento, é de duvidar das reais intenções desse propósito, se no trato com questões tão preciosas para os povos da floresta, em especial os rios da bacia amazônica, novamente vemos o desrespeito às reivindicações sociais locais, às leis ambientais, e o embate das polícias públicas que se chocam neste espaço.

Lutamos por eleger um governo democrático, que tem como base os movimentos sociais, advindos das lutas ainda nos tempos da ditadura, e que pensamos que seria mais sensível às lutas pelas coisas que o povo, o mais simples, o que tem a terra como fonte de vida e que se reconhece neste espaço pudesse ter audiência neste embate. São nessas grandes lutas, em que os grupos em condições de vulnerabilidade sente que está sozinho, que a lei que o protege é desrespeitada, além de todo sua cultura e seus valores.

Apoiamos o movimento social formado na região do Xingu "Movimento Xingu Vivo para Sempre" para impedir as barragens e formamos com eles um elo de solidariedade contra esse projeto, contra a liberação da licença prévia, contra o início do projeto. Entendemos que a voz desse momento que se posiciona contrário é a nossa voz também.

É preciso assegurar, respeitar e considerar o diálogo com a sociedade civil de forma aberta e participativa, principalmente, com os grupos diretamente afetados, garantindo, assim, a ampliação do debate acerca de sua implantação e do alcance dos danos acarretados à sociedade.

Para além de luta solidária, que parece ser alheia a nós, nosso manifesto soma-se à luta dos povos da floresta, entre tantos grupos sociais, porque reconhecemos que a luta é intrínseca e não estranha ao Grupo de Trabalho de Mobilização Social do estado de Mato Grosso. Neste momento, com especial consideração aos povos do Xingu, posicionamo-nos fortemente contrários à hidrelétrica de Belo Monte, e a qualquer projeto desenvolvimentista que seja gerador de mortes por injustiças socioambientais. É preciso construir outra Nação, sob a consideração de que os megaprojetos têm trazido mais prejuízo do que benefícios aos povos da floresta. E toda vez que triunfa a esfera econômica, sucumbe o sonho, a esperança e a vontade de construir um Brasil mais justo do ponto de vista social e, ousadamente, mais sensível para proteger nosso ambiente.

Não à usina, pela fé na vida!
Xingu para sempre!

Grupo de Trabalho e Mobilização Social – GTMS

Mato Grosso, 12 de fevereiro de 2010.


SIGNATÁRIOS:

Grupo de Trabalho de Mobilização Social / GTMS
Associação Amigos da Amazônia Viva / AAAV
Associação Brasileira de Homeopatia Popular / ABHP
Associação Rondopolitana de Proteção Ambiental / ARPA
Coletivo Jovem de Meio Ambiente / CJMT-MT
Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental / CIEA-MT
Conselho Indigenista Missionário / CIMI-MT
Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres / FLEC
Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação, UFMT
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, UFMT
Instituto Caracol
Instituto Gaia
Instituto Indígena Maiwu
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra / MST-MT
Rede Axe Dudu
Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental / REMTEA
Revista Sina

Fonte: CIMI
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