[Por Henrique Cortez, do EcoDebate] O estudo [Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista*] de Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite e outros pesquisadores, o qual afirma que, aplicada a legislação ambiental e indigenista, sobram 29% de território para agricultura e energia no Brasil, tem sido, inadvertidamente, fonte de controvérsia e desinformação.
O estudo, acima de tudo, realmente deve ser compreendido a partir de seu objetivo original “Qual a disponibilidade de terras para ampliar a produção de alimentos e energia, para a reforma agrária, para o crescimento das cidades e a instalação de obras de infra-estrutura no Brasil?”
O estudo, como é natural, não esgota o assunto, nem elimina a possibilidade de ‘refinamento’, ou seja, permitir que outros estudos, com a mesma metodologia ou não, ampliem o conhecimento sobre o tema, suas implicações e alternativas possíveis.
A qualificação do pesquisador Evaristo Miranda não está em questão. Seus trabalhos são amplamente conhecidos e reconhecidos, não havendo a menor razão para por em dúvida os dados em si mesmos. O mesmo é verdade para os demais pesquisadores. Não é aí que está o problema central.
A razão central da controvérsia e desinformação está na forma com que o estudo foi ‘apropriado’ pelos ruralistas, dentro do que já expressei como “desonestidade intelectual”. A “desonestidade intelectual” não se refere ao estudo ou aos pesquisadores, mas ao fato de ser tratado como estudo único, como única referência e como dogma, além de qualquer questionamento.
Pesquisa científica e dogma são incompatíveis. Um debate honesto exige ampla discussão de teses, conceitos e métodos. Posição dogmática não favorece o debate honesto, ao impedir a livre expressão de opiniões e teses contraditórias. É esta crítica que justifica a requisição de um estudo independente por parte do Inpe.
Ninguém pode ‘desqualificar’ a pesquisa e os pesquisadores, ao contrário, o que se questiona é a ‘hiperqualificação’ de um único estudo.
Retornando ao tema inicial, o estudo “Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista” pode e deve ser tratado como parte do debate de um zoneamento agroecológico, considerando diversos fatores, tais como a diversidade de características dos biomas, dos seus solos, bacias hidrográficas, clima e aptidão agrícola, dentre incontáveis outros.
A área total ‘disponível’ para a atividade agrícola, para fins de análise, é um fator a ser considerado, mas existem outros fatores e, exatamente por isto, o tema exige uma ampla e livre discussão técnica e científica, o que justifica o desenvolvimento de outros estudos, que ampliem as informações e o conhecimento científico disponível.
No entanto, a utilização de um estudo, fora do seu contexto científico, visando justificar uma ampla ‘flexibilização’ da legislação ambiental é inaceitável. E os pesquisadores nada têm com isto, uma vez que o estudo está sendo usado inapropriadamente pelo ministério da Agricultura e a bancada ruralista.
Utilizar um estudo como sendo um conhecimento final, inquestionável e acabado é uma evidente manipulação. Não existe conhecimento final, inquestionável e acabado, ou ainda estaríamos nas cavernas.
Volto a dizer que pesquisa científica e dogma são incompatíveis. O conhecimento científico é um processo em permanente desenvolvimento e, neste caso, não pode ser diferente.
Não é o pesquisador Evaristo Miranda e os demais participantes do estudo que estão sendo desqualificados, mas todos os demais estudos, pesquisas e pesquisadores, que, eventualmente, defendem outra análise ou método, é que estão excluídos do processo de debate.
Então, recolocando a questão de forma mais objetiva, o estudo deve ser reconhecido e ampliado mediante outros estudos e sob revisão por pares (peer review).
Construindo o conhecimento científico, com diversas fontes e métodos, podemos passar à discussão política cientificamente fundamentada.
Sem isto, o debate continuará equivocado e fonte permanente de controvérsia e desinformação.
Henrique Cortez,
coordenador do EcoDebate
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