Por Ib Sales Tapajós
Ao término do dia de ontem (09 de fevereiro de 2011), um resultado desolador incomodava (e muito!) os dirigentes da recém criada Universidade Federal do Oeste do Pará: das 1.150 vagas ofertadas no primeiro processo seletivo da instituição*, apenas 25% delas foram preenchidas na habilitação - ato que precede a matrícula numa Universidade pública.
Esse resultado pífio contrasta com as manifestações ufanistas da Administração Superior da UFOPA quando da divulgação do total de inscritos para o processo seletivo 2011: 17.585 candidatos. Um número deveras elevado, que foi utilizado como argumento para defender o “sucesso” do modelo acadêmico “inovador” implementado unilateralmente pela gestão do reitor pró-tempore José Seixas Lourenço.
Veja-se nesse sentido o discurso do Prof. Rodrigo Ramalho, pró-reitor de ensino da UFOPA: “Estamos muito felizes com esse resultado. Superou todas as nossas expectativas, pois esperávamos por volta de 10 mil inscritos. Isso mostra que a Universidade já inicia tendo boa aceitação entre os estudantes, pois esses 17.585 inscreveram-se na UFOPA e não em um curso específico” (Jornal da UFOPA, Edição de Lançamento, dezembro de 2010, página 4).
Ocorre que o pequeno número de habilitados nos força a questionar o “sucesso” da estrutura acadêmica da Universidade. Tudo bem, serão realizadas outras chamadas para habilitação, na famosa “repescagem” (ainda não se sabe quantas). É possível inclusive que as 1.150 vagas sejam preenchidas. E espero que assim o seja. No entanto, no atual momento, é fundamental haver crítica e autocrítica sobre a forma como a UFOPA vem dando seus primeiros passos. Apesar de a Reitoria do Sr. Seixas não estar efetivamente aberta ao diálogo, um debate sério precisa ser travado na comunidade acadêmica e na sociedade do oeste do Pará: o atual modelo acadêmico é realmente o que queremos e precisamos?
Ao contrário do que afirma o pró-reitor de ensino, o número de inscritos no processo seletivo não guarda correspondência com a aceitação da estrutura acadêmica da UFOPA**. Prova disso é que muitos dos inscritos sequer entendiam como se dará na prática o funcionamento desse modelo. As dúvidas são constantes inclusive entre os calouros habilitados. Não foram raros os casos de estudantes recém-aprovados que indagavam pelos corredores o que teriam de fazer para chegar ao curso que desejavam.
E muitos dos que passaram a entender o funcionamento da estrutura acadêmica da UFOPA desistiram de ingressar na instituição. Isso porque compreenderam que teriam de passar por mais dois processos de disputa de vagas dentro da própria Universidade para poder chegar ao curso almejado.
Para ser mais claro: se o candidato X é aprovado na UFOPA e no mesmo período consegue bolsa integral numa instituição privada através do PROUNI, ele tenderá a optar por esta última, uma vez que, na UFOPA, a vaga no curso almejado não estaria garantida. O mesmo raciocínio é perfeitamente cabível para o estudante que obteve sucesso no processo seletivo da UFOPA e no de outra universidade, federal ou estadual.
E qual o motivo dessa “fuga”? Medo do “novo”? Com certeza não. A causa central é a competição dentro da Universidade. O estudante que deseja ingressar no ensino superior precisa de um grande período de preparação, tanto para os vestibulares quanto para o ENEM. Período que, via de regra, é desgastante, estressante e, para alguns, até traumático. O grande problema é que na UFOPA há um “vestibular” prolongado, que se dá na passagem do CFI para o instituto e na passagem deste para o curso de graduação. Nem todos estão dispostos a passar por isso novamente. Por isso a UFOPA é a última opção de boa parte dos vestibulandos.
Diante dessa realidade inquestionável, os dirigentes da nossa Universidade do Oeste insistem no discurso da “meritocracia”, afirmando que a competição é importante e saudável. Pode até ser, mas na lógica do mercado, e não na lógica de uma universidade pública federal. Nesta, o objetivo central é a produção e difusão de um conhecimento crítico e voltado para o atendimento das necessidades da população. Os acadêmicos têm de ser colegas, e não adversários; precisam caminhar juntos na construção do conhecimento, e não ficar disputando quem vai tirar a melhor nota – infelizmente é isto que vai ocorrer com o atual modelo acadêmico-curricular. A lógica “meritocrática” aplicada na Universidade terá, indubitavelmente, um efeito catastrófico.
Outro fator que contribuiu para a não-habilitação de muitos candidatos aprovados é a ausência de uma política séria de assistência estudantil. Muitos dos aprovados são de outras cidades do Pará e, para estudarem na UFOPA, precisariam de recursos que hoje não são disponibilizados pela Universidade. Não temos um Restaurante Universitário (RU) e nem uma moradia estudantil (Casa do Estudante). Dessa forma, o estudante proveniente de outro município, cuja família não possuir renda considerável para mantê-lo em Santarém, fica impossibilitado de desenvolver seus estudos na UFOPA.
Tivemos conhecimento do caso de alguns estudantes que, ao serem aprovados na UFOPA, vieram para Santarém acreditando que a Universidade lhes daria um suporte material mínimo. Após conhecerem a realidade, acabaram desistindo e voltando para suas cidades de origem. Essa situação é triste e deveria receber atenção especial dos dirigentes da Universidade. Entretanto, a atual concepção de expansão do ensino superior adotada pelo Governo Federal, e defendida pela Reitoria da UFOPA, privilegia a quantidade de vagas criadas, em detrimento da qualidade. Em outras palavras, a expansão acontece de qualquer jeito, sem se garantir a estrutura e os recursos necessários para as vagas ofertadas.
Diante de todo esse cenário, a conclusão a que se chega é que muita coisa precisa ser repensada na UFOPA. Em especial a estrutura acadêmica, que tem de ser debatida democraticamente com a comunidade acadêmica e com a sociedade em geral. O atual sistema autocrático de gestão da Universidade, em que o Reitor decide sobre tudo e sobre todos, dá sinais claros de falência e precisa urgentemente ser substituído por um sistema democrático e participativo, onde todos tenham voz e vez e possam contribuir na definição dos rumos da instituição.
Caso contrário, estaremos desperdiçando o enorme potencial da Universidade Federal do Oeste do Pará. E é muito fácil prever as conseqüências negativas disso, já que a UFOPA é o principal projeto de desenvolvimento social em execução na região nos últimos anos. Mas para que ela efetivamente cumpra seu papel protagonista na região, muita coisa precisa mudar. Eis o nosso grande desafio: (re) construir uma Universidade no interior da Amazônia.
Ib Sales Tapajós é acadêmico de Direito da UFOPA, militante do coletivo estudantil Romper o Dia! e coordenador geral da União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES).
* Além das 1150 vagas ofertadas no processo seletivo 2011, que utilizou as notas do ENEM, foram reservadas 50 vagas para candidatos indígenas, a serem preenchidas através de processo seletivo especial.
** Na estrutura acadêmica da UFOPA, o estudante ingressa inicialmente no ciclo de formação interdisciplinar, com disciplinas comuns a todos os 1.200 alunos; posteriormente, segue para algum instituto; e por fim chega num curso de graduação. É importante destacar que haverá uma competição interna para se passar de uma fase à outra: os acadêmicos serão classificados de acordo com o índice de desempenho acadêmico (IDA) que atingirem.
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