Há dívidas que são pagas em dia, quando o devedor é pontual e fiel. Há outras dívidas que são pagas com muita demora, porque o devedor só reconhece muito tarde, ou porque é forçado a pagar o que deve. E há dívidas que nunca são pagas porque o devedor, arrogante, ignora o direito do seu credor.
No caso dos bisnetos de escravos do Brasil, os chamados quilombolas, o devedor acaba de admitir sua dívida e decidiu pagá-la. Isto é, decidiu pagar para uma pequena parte dos grupos de bisnetos de escravos no município de Santarém. São vários grupos quilombolas no Baixo Amazonas, mas desta vez apenas 3 ou 4 grupos da Várzea conquistaram parte de seus direitos. O governo federal sancionou o reconhecimento definitivo de que as terras dos quilombolas da Várzea santarena lhes pertencem.
Esse é o lado bom da conquista, os netos e bisnetos dos escravos santarenos conquistaram a liberdade da terra que era sua, desde que seus antepassados ocuparam, fugindo do chicote e da senzala. No entanto, por ter demorado tanto esse reconhecimento, tal conquista carrega um lado ruim. É que os não quilombolas, talvez até bisnetos de alguns senhores de escravos no passado, hoje tão pobres quanto seus vizinhos quilombolas, terão que sair das terras onde nasceram. Serão indenizados e re assentados em outro local. Perderão suas raízes culturais.
Tal fato pode parecer injusto, mas não é. Injusto e cruel é ter existido a escravidão por tanto tempo no Brasil e em Santarém especialmente. Tão injusto também foi quando os senhores da Casa Grande, obrigados a fecharem as senzalas, deixaram seus ex escravos ao abandono na miséria. Só agora, à conta gotas, o Estado brasileiro reconhece os direitos à terra e a liberdade cultural.
Ainda falta muito para o Estado reconhecer os direitos de todos os quilombolas no Baixo Amazonas e do Brasil todo. Os não quilombolas que terão que se retirar das terras hoje reconhecidas, Podem achar incômodo, não têm culpa da situação, mas terão que admitir que o direito dos quilombolas é legítimo. Seus avós e bisavós sofreram muito, habitaram aquelas terras, morreram sem segurança e hoje devem estar sorrindo no além onde habitam. Afinal, demorou, mas a justiça está sendo feita.
Pe. Edilberto Sena
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