Há algum tempo venho acompanhando notícias sobre as pretensões da Cargill em se apropriar de mais um espaço público (e como conseqüência expropriar os cidadãos santarenos) para usá-lo única e exclusivamente em favor de seus interesses financeiros e comerciais. Desta vez o espaço público se trata do campo da Vera Paz e o uso privado e expropriador é para servir de estacionamento aos caminhões de soja que vão descarregar em seu porto ilegal.
Parece que hoje tiveram início os trabalhos de expropriação. Três tratores derrubaram as traves e começaram a “limpar” a área, apoiados por alguns sujeitos travestidos de cientistas para justificar a expropriação como se fosse parte de um trabalho de alguma geoenrolação e, como não podia faltar, a presença da Polícia Militar (filha herdeira das atrocidades da época da ditadura no Brasil) para manter a “ordem” que pode ser interpretada como “nada pode atrapalhar o destino da Amazônia que é ter toda sua riqueza roubada pelo poder econômico internacional”.
Amanhã os grandes meios de comunicação da cidade, com raras exceções, devem começar a reproduzir o discurso do desenvolvimento econômico: “o campo da Vera Paz era um reduto de marginalidade”, e ainda “Santarém tem muitos campos de futebol espalhados pela cidade e um não fará falta”, ou então “o uso do campo da Vera Paz pela Cargill vai gerar empregos e um retorno econômico para a cidade”, outra coisa que ouviremos poderá ser do tipo “uma meia dúzia de pessoas jogavam bola ou usavam o campo da Vera Paz para lazer”.
Pois bem, proponho aqui que tomemos este discurso do desenvolvimento econômico como verdade absoluta e irrefutável e o apliquemos a todos os espaços públicos de Santarém. Para isso tomarei a Igreja Matriz e a orla da cidade, não como exemplos de como se desenrolaria as justificativas em prol da expropriação destes espaços pelo poder econômico.
Vejamos a Igreja Matriz. Um espaço amplo em pleno centro da cidade que representa um verdadeiro desperdício do ponto de vista do aproveitamento econômico. Afinal de contas aquele lugar poderia ser demolido e em seu lugar construído uma grande empresa qualquer, ou talvez um shopping center. Tem tanta Igreja em Santarém que não ia fazer falta a demolição de uma apenas. E mais, quantas pessoas freqüentam a Igreja da Matriz? Uma minoria se comparada ao total de Igrejas na cidade (incluo aqui não apenas as paróquias da Igreja Católica, mas também todas Igrejas Protestantes existentes na cidade). E a maior parte dos católicos nem são praticantes mesmo. Não tem comparação o retorno econômico com a geração de vários empregos por uma grande empresa no lugar de meia dúzia de funcionários da Diocese.
E a orla da cidade? Imaginem se tudo aquilo fosse abaixo para dar lugar a grandes empreendimentos estaleiros? Que maravilha!! Muito mais empregos com carteira assinada do que o mísero número de pipoqueiros e vendedores ambulantes que circulavam por lá hoje, sem falar nos “trecos” vendidos por hippies sujos e mal encarados. E nem é um lugar tão freqüentado, pois é só lembrar que a maior parte do tempo ali fica deserto, afinal ninguém agüenta a orla durante o sol escaldante durante o dia e o aglomerado de pessoas é só durante a primeira metade da noite e aos finais de semana. Com lugares como Alter-do-Chão, praça São Sebastião, praça São Cristovão e outras por aí ninguém ia sentir falta do fim de um único espaço de lazer na cidade. A diversão e o lazer continuariam, apenas mudariam de endereço.
Se você concorda que o desenvolvimento de uma cidade se expressa, única e exclusivamente, pelos índices de produção econômica, geração de empregos e circulação de renda, então sorria. Amanhã não faltará Tapajós, Ponta Negras e Santaréns com seus apresentadores, radialistas e repórteres para justificar que o fim do campo da Vera Paz é em prol do desenvolvimento da cidade. Então faça sua parte e reproduza o discurso do desenvolvimento econômico e colabore para sua expansão por todos os espaços públicos de Santarém. Que acabem com a Igreja Matriz, com a orla, com a praça São Sebastião e todos os outros espaços públicos santarenos e que venham os grandes empreendimentos econômicos em seus lugares.
Mas se você discorda de tudo o que está nos três parágrafos anteriores e sente um desconforto inexplicável em ver um espaço público de lazer ser apropriado para fins particulares por uma empresa que já expropriou dos santarenos a praia da Vera Paz, então fica aqui o convite a continuar a ler as próximas linhas e construirmos uma reflexão sobre o valor, impossível de ser precificado e quantificado monetariamente, que tem uma coisa chamada patrimônio histórico e cultural.
A Igreja Matriz é um espaço público onde pelo menos uma vez na vida um santareno já esteve e viveu momentos marcantes o suficiente para não conseguir olhá-la com indiferença como se fosse apenas mais uma Igreja. Independente de opção religiosa, alguma vez na vida, todos paramos para contemplá-la enquanto prédio histórico e imaginar como teria sido a construção de algo tão grandioso em tempos tão remotos. A orla da cidade foi, é e será para todos santarenos o espaço público onde teremos a impressão de que o tempo pára quando apreciamos o pôr do sol, apreciamos os pescadores jogarem suas tarrafas, o movimento das águas do Tapajós encontrando o Amazonas.
A experiência pessoal e prazerosa que temos em espaços públicos como a Igreja Matriz e a orla da cidade não tem espaço na idéia de desenvolvimento como crescimento econômico. Estes espaços públicos estão ligados à própria identidade dos santarenos, pois diversas vezes ouvimos expressões do tipo “Santarém a cidade de Nossa Senhora da Conceição” ou “Santarém do encontro das águas do Tapajós e Amazonas”. O patrimônio histórico e cultural de uma comunidade lhe proporciona experiências de bem-estar e a auto-estima (orgulho enquanto parte desta comunidade) impossível de ser substituída por um empreendimento econômico.
O campo da Vera Paz faz parte do patrimônio histórico e cultural de Santarém. Se não é usado por todos (ou pela maioria) já foi, ao menos alguma vez na vida de cada santareno, um espaço de lazer e convivência social, que o digam os moradores do bairro Laguinho e aqueles que conheceram a praia da Vera Paz. Se não é o único campo da cidade é aquele de maior fama entre os campeonatos de peladeiros de Santarém. Se a sua presença no cotidiano como espaço disponível para a convivência social não é suficiente para ser notada, a idéia de sua eterna ausência é suficiente para ser sentida como inconcebível.
O campo da Vera Paz enquanto espaço público de lazer e convivência social faz parte do patrimônio histórico e social de Santarém e, por isto, não está disponível como mercadoria a ser vendida ao poder econômico internacional. O espaço público não tem preço, nada pagará a sua apropriação individual, arbitrária e gananciosa como já fez a mesma Cargill com a finada praia da Vera Paz. O campo da Vera Paz é nosso e a Cargill que vá construir seu estacionamento na ....!
Frente em Defesa da Amazônia
Parece que hoje tiveram início os trabalhos de expropriação. Três tratores derrubaram as traves e começaram a “limpar” a área, apoiados por alguns sujeitos travestidos de cientistas para justificar a expropriação como se fosse parte de um trabalho de alguma geoenrolação e, como não podia faltar, a presença da Polícia Militar (filha herdeira das atrocidades da época da ditadura no Brasil) para manter a “ordem” que pode ser interpretada como “nada pode atrapalhar o destino da Amazônia que é ter toda sua riqueza roubada pelo poder econômico internacional”.
Amanhã os grandes meios de comunicação da cidade, com raras exceções, devem começar a reproduzir o discurso do desenvolvimento econômico: “o campo da Vera Paz era um reduto de marginalidade”, e ainda “Santarém tem muitos campos de futebol espalhados pela cidade e um não fará falta”, ou então “o uso do campo da Vera Paz pela Cargill vai gerar empregos e um retorno econômico para a cidade”, outra coisa que ouviremos poderá ser do tipo “uma meia dúzia de pessoas jogavam bola ou usavam o campo da Vera Paz para lazer”.
Pois bem, proponho aqui que tomemos este discurso do desenvolvimento econômico como verdade absoluta e irrefutável e o apliquemos a todos os espaços públicos de Santarém. Para isso tomarei a Igreja Matriz e a orla da cidade, não como exemplos de como se desenrolaria as justificativas em prol da expropriação destes espaços pelo poder econômico.
Vejamos a Igreja Matriz. Um espaço amplo em pleno centro da cidade que representa um verdadeiro desperdício do ponto de vista do aproveitamento econômico. Afinal de contas aquele lugar poderia ser demolido e em seu lugar construído uma grande empresa qualquer, ou talvez um shopping center. Tem tanta Igreja em Santarém que não ia fazer falta a demolição de uma apenas. E mais, quantas pessoas freqüentam a Igreja da Matriz? Uma minoria se comparada ao total de Igrejas na cidade (incluo aqui não apenas as paróquias da Igreja Católica, mas também todas Igrejas Protestantes existentes na cidade). E a maior parte dos católicos nem são praticantes mesmo. Não tem comparação o retorno econômico com a geração de vários empregos por uma grande empresa no lugar de meia dúzia de funcionários da Diocese.
E a orla da cidade? Imaginem se tudo aquilo fosse abaixo para dar lugar a grandes empreendimentos estaleiros? Que maravilha!! Muito mais empregos com carteira assinada do que o mísero número de pipoqueiros e vendedores ambulantes que circulavam por lá hoje, sem falar nos “trecos” vendidos por hippies sujos e mal encarados. E nem é um lugar tão freqüentado, pois é só lembrar que a maior parte do tempo ali fica deserto, afinal ninguém agüenta a orla durante o sol escaldante durante o dia e o aglomerado de pessoas é só durante a primeira metade da noite e aos finais de semana. Com lugares como Alter-do-Chão, praça São Sebastião, praça São Cristovão e outras por aí ninguém ia sentir falta do fim de um único espaço de lazer na cidade. A diversão e o lazer continuariam, apenas mudariam de endereço.
Se você concorda que o desenvolvimento de uma cidade se expressa, única e exclusivamente, pelos índices de produção econômica, geração de empregos e circulação de renda, então sorria. Amanhã não faltará Tapajós, Ponta Negras e Santaréns com seus apresentadores, radialistas e repórteres para justificar que o fim do campo da Vera Paz é em prol do desenvolvimento da cidade. Então faça sua parte e reproduza o discurso do desenvolvimento econômico e colabore para sua expansão por todos os espaços públicos de Santarém. Que acabem com a Igreja Matriz, com a orla, com a praça São Sebastião e todos os outros espaços públicos santarenos e que venham os grandes empreendimentos econômicos em seus lugares.
Mas se você discorda de tudo o que está nos três parágrafos anteriores e sente um desconforto inexplicável em ver um espaço público de lazer ser apropriado para fins particulares por uma empresa que já expropriou dos santarenos a praia da Vera Paz, então fica aqui o convite a continuar a ler as próximas linhas e construirmos uma reflexão sobre o valor, impossível de ser precificado e quantificado monetariamente, que tem uma coisa chamada patrimônio histórico e cultural.
A Igreja Matriz é um espaço público onde pelo menos uma vez na vida um santareno já esteve e viveu momentos marcantes o suficiente para não conseguir olhá-la com indiferença como se fosse apenas mais uma Igreja. Independente de opção religiosa, alguma vez na vida, todos paramos para contemplá-la enquanto prédio histórico e imaginar como teria sido a construção de algo tão grandioso em tempos tão remotos. A orla da cidade foi, é e será para todos santarenos o espaço público onde teremos a impressão de que o tempo pára quando apreciamos o pôr do sol, apreciamos os pescadores jogarem suas tarrafas, o movimento das águas do Tapajós encontrando o Amazonas.
A experiência pessoal e prazerosa que temos em espaços públicos como a Igreja Matriz e a orla da cidade não tem espaço na idéia de desenvolvimento como crescimento econômico. Estes espaços públicos estão ligados à própria identidade dos santarenos, pois diversas vezes ouvimos expressões do tipo “Santarém a cidade de Nossa Senhora da Conceição” ou “Santarém do encontro das águas do Tapajós e Amazonas”. O patrimônio histórico e cultural de uma comunidade lhe proporciona experiências de bem-estar e a auto-estima (orgulho enquanto parte desta comunidade) impossível de ser substituída por um empreendimento econômico.
O campo da Vera Paz faz parte do patrimônio histórico e cultural de Santarém. Se não é usado por todos (ou pela maioria) já foi, ao menos alguma vez na vida de cada santareno, um espaço de lazer e convivência social, que o digam os moradores do bairro Laguinho e aqueles que conheceram a praia da Vera Paz. Se não é o único campo da cidade é aquele de maior fama entre os campeonatos de peladeiros de Santarém. Se a sua presença no cotidiano como espaço disponível para a convivência social não é suficiente para ser notada, a idéia de sua eterna ausência é suficiente para ser sentida como inconcebível.
O campo da Vera Paz enquanto espaço público de lazer e convivência social faz parte do patrimônio histórico e social de Santarém e, por isto, não está disponível como mercadoria a ser vendida ao poder econômico internacional. O espaço público não tem preço, nada pagará a sua apropriação individual, arbitrária e gananciosa como já fez a mesma Cargill com a finada praia da Vera Paz. O campo da Vera Paz é nosso e a Cargill que vá construir seu estacionamento na ....!
Frente em Defesa da Amazônia
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