O Ministério Público Federal aguarda o julgamento de um processo iniciado em 2006 pelo mesmo motivo que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a pedir a suspensão do licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte: até hoje o governo brasileiro não respeitou o direito dos índios do Xingu a serem consultados antes da decisão de se construir a usina em suas terras.
O direito das oitivas é previsto no artigo 231 da Constituição brasileira e também na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, tratado do qual o país é signatário. Para o MPF no Pará, o direito foi desrespeitado: trata-se de uma consulta política, que deve ser feita pelo Congresso Nacional antes que se decida pela instalação da usina.
Em vez disso, o governo brasileiro conseguiu fazer tramitar em tempo recorde um decreto legislativo no Congresso Nacional – foram 15 dias de trâmite – sem conversar com os índios. Na época, o senador paraense Luiz Otávio Campos chegou a chamar o projeto de projeto-bala, pela rapidez.
Por esse motivo, em 2006, o MPF ajuizou a segunda ação civil pública movida contra a hidrelétrica de Belo Monte. Ano passado, o processo deveria ter sido julgado no dia 22 de novembro, mas a pedido da Advocacia Geral da União, o julgamento foi adiado. É esse julgamento que vai dizer, afinal, se o Brasil pode passar a borracha no artigo 231 da Constituição e não realizar as oitivas indígenas.
Nas últimas argumentações enviadas pela AGU à Justiça no bojo desse processo, o governo faz alegações contraditórias: ora afirma que as oitivas foram realizadas pelos servidores da Funai, ora afirma que elas não são necessárias porque o empreendimento não afeta Terras Indígenas.
As reuniões feitas em aldeias indígenas por servidores da Funai como etapas dos Estudos de Impacto Ambiental foram gravadas em vídeo. No vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=zdLboQmTAGE), os servidores públicos aparecem explicando aos índios que aquilo não são as oitivas indígenas e que essa questão ainda iria ser resolvida.
Mesmo assim, em 2009, a Funai apresentou ao Ibama um documento em que dizia que tinha feito as oitivas indígenas. Os índios comunicaram a situação ao MPF: se sentem enganados e desrespeitados pelo governo.
“Quanto ao argumento de que o empreendimento não afeta terras indígenas porque elas não serão alagadas, beira o ridículo. Duas aldeias indígenas estão bem nas margens do rio Xingu na área em que ele deve secar, desaparecer, por causa do desvio de água para a usina. Estamos trabalhando com a hipótese concreta de remoção de povos indígenas, o que é vedado pela Constituição porque ao longo da história só causou tragédias”, explica o procurador da República Ubiratan Cazetta.
“Todas as etapas que a lei exige para esse licenciamento foram burladas pelo governo. É por isso que já ajuizamos 10 ações contra Belo Monte. E é por isso que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos está atuando: para evitar a violação de direitos dos povos indígenas e ribeirinhos. O governo brasileiro se dizer perplexo depois de tantos alertas sobre essas violações é que nos surpreende”, explica o procurador da República Felício Pontes Jr.
Entenda como funciona o Sistema Interamericano de Direitos Humanos
Podem fazer denúncia ao Sistema entidades nacionais não estatais e que sejam credenciadas e consideradas representativas da sociedade civil do país. A Comissão analisa as denúncias, pede informações ao país, pode fazer recomendações como a que foi feita agora e, em caso de violação dos direitos humanos, submete o caso à Corte Interamericana. Na Corte, o país tem direito à defesa, mas pode ser condenado em sanções ou obrigações de fazer. O Brasil já foi condenado 3 vezes na Corte.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará
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